quinta-feira, 1 de setembro de 2011



" (...) Uma tranquilidade sem sentido, estabeleceu-se em sua consciência, um sorriso quase abstrato retratava a paz que ele nunca sentira, uma paz que sempre buscou naquilo que o dinheiro pode oferecer, pois, na verdade não percebera as coisas mais normais da vida. E o que é normal nessa vida? A paz que para uns é isso e para outros aquilo? A paz que todos buscam mesmo sem saber decifrá-la em toda sua plenitude? O que é a paz? o que é mesmo bom nessa vida? SEMPRE teve dúvidas sobre essas coisas. 
Mas NINGUÉM pode dizer que não existiu paz numa cerveja bebida no bar do Bonfim, no pandeiro tocado nos ensaios da escola de samba, no riso de Berenice, no baseado com os amigos e nas peladas de sábado à tarde. Talvez fora muito longe para buscar algo que sempre estivera ao seu lado. Mas pode realmente haver paz plena para quem o  viver fora sempre se remexer no poço da miséria? Buscara algo que estava tão perto, tão perto e tão bom, mas o medo do orvalho repentinamente virar tempestade o fizera assim: cego para a bonança, que agora vinha juntamente com a dor, e talvez, e só talvez a paz estivesse no canto e no vôo dos passarinhos, na observação da sutileza dos girassóis vergando-se nos jardins, nos piões rodando no chão, no braço do rio sempre indo e voltando, no frio ameno do outono e do inverno, e no vento em forma de brisa. 
No entanto, tudo sempre poderia se agitar de um modo indefinido e cair na mira do seu revolvér. Mas alguém pode enxergar o belo com olhos obtusos pela falta de quase tudo que o ser humano carece? Talvez nunca tenha buscado nada, nem nunca pensara em buscar, tinha só de viver aquela vida que viveu sem nenhum motivo que o levasse a uma atitude parnasiana naquele seu universo escrito por linhas tão malditas


Deitou-se bem devagar, sem sentir os movimentos que fazia, tinha uma prolixa certeza de que não sentiria a dor das balas, era uma fotografia já amarelada pelo tempo, com aquele sorriso inabalável, e a esperança da morte ser realmente um descanso para quem se viu obrigado a fazer da paz das coisas um extremo campo de guerra. Aquela mudez diante das perguntas de Belzebu e a expressão de alegria  melancólica que se manteve para sempre, dentro do caixão. "


( Cidade de deus )




nota: Um dos melhores textos/trechos que já li!